Rio ao natural - Parte II (Dias #19, 20, 21, 22)
A segunda parte tem ainda mais a ver com a
natureza que a primeira. No entanto, não começou de forma tão agradável como a
anterior.
O Domingo foi dedicado à visita dos
parques naturais mais famosos da cidade: Parque Lage e Jardim Botânico.
Às 8h00 levantámo-nos e ainda antes das
9h00 já estávamos no Parque Lage, mais conhecido pelo seu tão famoso café da manhã. Bom, nem sei bem por onde
começar... Talvez por um pouco de contextualização.
O Parque Lage é um actualmente um parque
público mas começou por ser um engenho de açúcar na época do Brasil Colonial.
Passou por vários donos desde essa altura – século XVI – e, em 1859, passou a
ser propriedade de António Martins Lage. Ainda passou por outras mãos mas
acabou por ser novamente comprado pela família Lage, neste caso o empresário
Henrique Lage, neto de António. Daí vem o seu nome.
Henrique Lage era um homem ligado às artes
e casou-se com Gabriela Besanzoni, uma cantoria lírica italiana. Mandou
construir para ela um verdadeiro “palazzo romano”, com uma piscina e outros
materiais luxuosos importados de Itália. Esse local é hoje um espaço ocupado
pela EAV (Escola de Artes Visuais do Parque Lage) e, ainda, por um café,
extremamente famoso pelo seu pequeno-almoço. Esta história sobre a família Lage
e a actual função do palácio foi-nos até contada por um casal brasileiro,
também eles apreciadores de arte, enquanto esperávamos na fila para o café da
manhã.
Ora bem, é aqui que começa a parte
desagradável. Peço desde já desculpa às pessoas que me sugeriram esta atracção
turística do Rio (a Vitória foi uma delas), mas tenho que dizer que foi a
primeira (e espero que última) grande decepção desde a minha chegada. Este
sítio não faz jus ao local onde se insere e a todo o enquadramento histórico e
paisagístico.
O Parque está inserido no Parque Nacional
da Tijuca e preserva ruínas das várias épocas que o atravessaram. Foi, por
isso, reconhecido como património paisagístico, ambiental e cultural pelo IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1957. [Curiosidade:
o acto de reconhecimento oficial de algo como património cultural aqui é
chamado de “tombamento”, graças à nossa Torre do Tombo, antigo Arquivo Geral do
Reino, onde todos os documentos importantes eram (e são ainda) arquivados e
conservados.]
Nem sei bem por onde começar. Foi tudo
mau, do princípio ao fim. Eram quase 9h em ponto quando chegámos à entrada do
palácio. Essa era a hora a que o tão conceituado café deveria abrir mas ainda
devemos ter esperado uns largos minutos para que isso acontecesse. Tudo bem.
Aproveitei para tirar umas fotos aos jardins envolventes e apreciar as pessoas
que faziam piqueniques mesmo ao lado (longe de imaginar que essa ideia era bem
melhor que a nossa). Só havia uma coisa que estava completamente desenquadrada
ali: três reservatórios de água azuis (aqueles que se vêem por todo o Rio mas
no topo dos prédios e das casas nas favelas) mesmo em frente à porta de entrada do palácio.
Algum tempo depois, nós e as largas
dezenas de pessoas que se encontravam à espera, fomos mandados entrar. Já não
apanhámos mesa. Ficámos em segundo lugar na lista de espera. Tudo bem. Aguardámos.
Afinal, é “o melhor café da manhã do Rio”. Apreciámos a tal “piscina” que se
encontrava coberta por uma espécie de lona laranja que ao início não entendemos
o que era mas que, posteriormente, viemos a saber tratar-se de uma instalação
de arte da EAV que teria sido insuflada e desinchada e deixada ali, para mais
tarde ser recolhida. Tudo bem. Não achei que ficasse particularmente bonito
aquilo ali mas... tudo bem. Não era isso que ia estragar o meu pequeno-almoço
de rainha. Pouco tempo depois, a jovem que estava a tratar da lista de espera e
de encaminhar as pessoas para as mesas, sugeriu-nos uma mesa ao sol.
Agradecemos mas dissemos que preferíamos à sombra porque ao sol não se aguenta
estar pouco tempo, quanto mais a comer descansadamente (às 9h da manhã já estão
para cima de 30 graus).
Esperámos ainda bastante tempo e só
devemos ter sido chamados para uma mesa à sombra e começado a pedir já perto
das 10h. Pedimos o que toda a gente pede: a bandeja de café da manhã da casa.
Segundo o cardápio, inclui café com leite ou chá ou chocolate (quente ou frio),
suco natural, pães artesanais (integral, branco, baguete e mini pão de batata
com requeijão), frutas frescas, queijo minas, ricota com ervas, geleia caseira,
manteiga e bolo caseiro. Óptimo, maravilha, sounds delicious! Ao contrário do
que nos sugeriu a Vitória, pedimos duas bandejas. Ela achou que uma dava para
dois mas nós achámos que um só suco e um só café não seriam suficientes.
Afinal, 29 reais (9,86€) não é assim tanto por um café da manhã tão bem servido
e tão caseiro.
Erro crasso, crassíssimo! Eu bem via toda
a gente à nossa volta a comer com entusiasmo e pensei que a minha primeira
impressão do tabuleiro poderia ser apenas esquisitice minha. Resolvi então
experimentar cada coisa (fora os queijos que toda a gente que me conhece bem
sabe que é coisa que está imediatamente posta de parte) para poder opinar sobre
o sabor, a consistência, a frescura, a qualidade, no fundo. Começo a enumerar:
o suco de abacaxi (única opção disponível) era água com sabor (mau, por sinal)
e ainda pedimos para trocarem por outro que tivesse, pelo menos, alguma polpa,
mas que ficou mau na mesma; a manteiga veio completamente derretida, líquida,
alterada; a geleia “caseira” não tinha sabor; o bolo “caseiro” era um quadrado
que não devia ter mais que 3x3cm e estava mais seco que as folhas das árvores
no outono; os pães “artesanais” eram pães que nitidamente eram congelados e
tinham sido aquecidos, já que ficaram logo secos também e, além disso, todos me
sabiam a queijo, visto terem resolvido colocar os pães de queijo dentro do
mesmo cesto; o café não prestava; as frutas “frescas” estavam secas, quentes e
com péssimo aspecto, além de que era quase só casca; os talheres e os copos
eram de plástico e o tabuleiro era um tabuleiro de hospital ou cantina, para
ser simpática.
Fora um pequeno-almoço fatídico num hotel
de Londres com os meus pais, este foi o pior pequeno-almoço que jamais comi na
minha vida (e nem se pode dizer que tenha comido, porque só experimentei). E
fui a única? Não. O meu querido esposo achou exactamente a mesma coisa. Bastou
olhar para ele e ver que ele estava mortinho por sair dali. E quem o conhece
também sabe que ele é a pessoa mais fácil de agradar à face da terra.
Ora o que é que sucedeu, então? Sucedeu
que achámos por bem chamar a gerente e expor a nossa opinião sobre o tão
afamado café da manhã. Foi-nos dito pela própria, entre outras coisas, que as
frutas tinham vindo frescas, que o pão era confeccionado lá, que o suco não
podia ser feito na hora porque era muita gente, que aquilo era realmente como uma
cantina e que, pasmem-se, este ano perderam o concurso público que lhes dá a
concessão daquele espaço e então estão de saída. Conclusão: estão a servir às
pessoas os restos e já nem se preocupam com nada, nem com a apresentação das
mesas, porque quando se vê na internet as imagens do espaço realmente parece um
terraço super-agradável, com toldos, cadeiras confortáveis e almofadas. A nós
só nos pareceu um local abandonado e muito mal tratado. (Uma visita rápida ao TripAdvisor serve para comprovar que os comentários mais recentes não estão muito longe daquilo que eu descrevi aqui.)
Dissemos, então, que não achávamos justo
pagar por uma coisa que nem sequer comemos e que não corresponde ao que vem
descrito no menu (e por toda a gente que passa a palavra) e ela pediu-nos
desculpa e perguntou se nos poderia oferecer mais alguma coisa. Dissemos que
não, agradecemos e fomos embora.
Próximo destino: Jardim Botânico. Ufa, um
alívio! Vejam e deleitem-se (as restantes fotos encontram-se no separador Fotografias do blog).
Os dias a seguir ao fim-de-semana também têm sido interessantes. Numa só tarde de praia tive o prazer de ser abordada por três personagens surreais do Rio:
Nº 1: uma mulher que não me pareceu estar
no seu perfeito juízo e de 5 em 5 segundos pedia a toda a gente que estava à
sua volta que lhe apertassem o biquíni. Quando chegou a minha vez, disse-lhe
que já lhe tinham dito que estava tudo bem e ela zangou-se e gritou “APERTA!!!
Vou pedir a outro moço.”. Importante dizer que a canga que usava era a bandeira
de Portugal. Ao sair da praia, ainda me assustou ao vir por trás de mim e
pedir-me a minha água de coco. Como estava quase cheia e, obviamente, não lhe
queria dar da minha palhinha, disse-lhe para ir à barraca buscar outra enquanto eu bebia mais um pouco e ela
pergunta “Você paga?”.
Nº 2: Um homem já com os seus 50 e muitos
dirige-se a mim e pergunta se eu quero jogar um jogo qualquer. Como não entendi
perguntei novamente e percebi que ele também não tinha um sotaque muito claro.
Agradeci e expliquei que não sabia jogar e que, além disso, não sou grande
desportista. Ele, revoltado, diz-me: “Não sabe? Como não sabe, se qualquer
criança piquena sabe jogar isso e
você com esse tamanhão todo diz que não sabe?!”
Nº3: Não menos importante. O Tiririca
himself. O famoso deputado-palhaço, a passear pelo areal com as suas roupas do
costume e a acenar à população como se do Rei do Brasil se tratasse. Eu já
tinha visto que era ele porque é inconfundível (basta lembrar do slogan “Vote
no Tiririca, pior do que tá não fica.”) mas toda a gente se virou para o ver e
diziam “Olha lá o Tiririca!”.
A minha pergunta é só esta: que fenómeno é
que aconteceu neste dia para se juntar na praia tanta gente estranha?
É este o Rio Natural e ao natural.
É este o Rio Natural e ao natural.
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Natural Rio – Part II (Days #19,
20, 21, 22)
The second part has is even more connected to
the nature than the first one. However, it did not start as pleasantly as the
previous one.
Sunday was dedicated to the most famous natural
parks of the city: Parque Lage and the Botanical Garden.
We got up at 8:00 am and before 9:00 am we were
already at Parque Lage, known for its famous breakfast. Well, I do not even
know where to start ... Perhaps, a little context first.
Parque Lage is now a public park but began as a
sugar plantation at the time of Colonial Brazil. It went through several owners
since then – 16th century - and in 1859, became the property of António Martins
Lage. Then it had other owners but was eventually bought by the Lage family
again, in this case the entrepreneur Henrique Lage, Antonio's grandson. That is
where its name comes from.
Henrique Lage was a man that liked the arts and
he married Gabriela Besanzoni, an Italian opera singer. He built her a true
"Roman palazzo" with a swimming pool and other luxurious materials
imported from Italy. This location is now the place where EAV (School of Visual
Arts of Parque Lage) works and there is also a café, extremely famous for its
breakfast. A Brazilian couple, also art lovers, told us this story about Lage’s
family and the current function of the palace while we were waiting in line for
that breakfast.
Well, this is where the unpleasant part begins.
I apologize to the people who suggested this tourist attraction in Rio (Vitória
was one of them), but I have to say it was the first (and hopefully last) big
disappointment since my arrival. This place does not live up to where it
belongs and the whole history and surroundings.
The Park is inserted in the Tijuca National
Park and preserves ruins of several ages. It was, therefore, recognized as
natural, environmental and cultural heritage by IPHAN (Institute of Historic
and Artistic National Heritage), in 1957. [Curiosity: the official act of
recognition of something like cultural heritage here is called "tombamento", thanks to our Torre do
Tombo, former General archive of the Kingdom, where all the important documents
were (and still are) filed and preserved.]
I do not know where to start. Everything was so
bad, from beginning to end. It was almost 9 am sharp when we reached the
entrance to the palace. That was the time when the highly recommended café
should open but we still had to wait a little while for this to happen. All
right. I took the opportunity to take some pictures to the surrounding gardens
and appreciate the people who were picnicking on the doorstep (far from
imagining that this idea was much better than ours). There was only one thing
that was completely deranged there: three blue water reservoirs (those that we
see all over Rio but on top of the buildings and houses in the slums) just in
front of the palace entrance.
Later on, we (and dozens of people who were sitting
outside) were sent in. Unfortunately, we did not have a free table for us. We
were second in the waiting list. All right. We waited. After all, it is
"the best breakfast in Rio". We then took a look around and saw the
"pool", which was covered with a kind of orange plastic canvas. In
the beginning we did not understand what it was but that later we were told it
was one of EAV’s art installations that would have been inflated and deflated
and left there to be collected later. All right. I did not think it suited well
the place but... okay. That was not what would ruin my queen breakfast. Shortly
thereafter, the young woman who was responsible for the waiting list and indicated
the tables, suggested that we would sit in the sun. We thanked her but said we
would prefer the shade because it is impossible to eat pleasantly with a sun
like this, even at 9 am, when it is already up to 30 degrees.
Still waited a long time and I think we were
only called to a table in the shade and started ordering a little bit before
10am. We order what everyone usually orders: a “homemade” breakfast tray.
According to the menu, it should include coffee with milk or tea or chocolate
(hot or cold), natural juice, homemade breads (whole, white, baguette and mini
potato bread with cottage cheese), fresh fruit, white cheese, ricotta with
herbs, homemade jelly, butter and homemade cake. Great, wonderful, sounds
delicious! Vitória told us we could order only one tray because it is more than
enough for two people but, instead, we ordered two trays because we thought
that only one juice and one cup of coffee for two people would not be enough. After
all, 29 reais (€ 9.86) is not that much for such a huge and homemade breakfast.
Big mistake. Huge mistake. I saw everyone
around us eating with such an enthusiastic expression and thought that my first
impression of the tray could be just my problem. I then decided to try
everything (apart from the cheeses, which everyone who knows me well knows that
it is something that is immediately discarded) to have a say about the taste, consistency,
freshness, quality of everything. I can start enumerating: pineapple juice
(only option available) was flavored water (bad, by the way) and we even asked
to change it for another one that had at least some pulp, but it still bad; the
butter came completely melted, liquid; the “homemade” jelly had no flavor; the
“homemade” cake was a square that should not be more than 3x3cm and was drier
than the leaves in the fall; the "local" bread loaves were clearly frozen
and had been heated, so they became dry, and, in addition, they all had the
taste of cheese, since the cheese bread had been put together in the same
basket as the other breads; the coffee was not good; the "fresh"
fruits were dry, warm and looked terrible and, to be honest, you could see more
skin than the fruit itself; cutlery and glasses were plastic and the tray looked
like a hospital or canteen tray, to say the least.
Apart from an unfortunate breakfast in a London
hotel with my parents, this was the worst breakfast I have ever eaten in my
life (and cannot even say I ate, because I only tried a little bit of
everything). And was I the only one? No. My dear “husband” thought exactly the
same thing. One quick look at him and I could see that he was dying to get out
of there. And who knows him well also knows that he is the easiest person to
please on the face of the earth.
What happened then? We thought the best thing
to do was to call the manager and expose our opinion on the famous breakfast. Her
response was, among other things, that the fruit was fresh, the bread was made
there, the juice could not be done for each customer because it was a lot of
people, that it was really like a canteen and, surprise surprise, this year
they lost the tender which gives them the permission to use that space, which
is public, so they are out. My conclusion is: they are serving people the leftovers
and do not even care about anything, not even the presentation of the tables,
because when you see the pictures on the internet it really looks like a super
nice terrace, with awnings, comfortable chairs and cushions. To us, it only seemed
an abandoned and badly treated place.
We then said that we did not think it was fair
to pay for something that we did not even eat and that does not match what is
described on the menu (and everyone that is passing the word) and she told us
she was sorry and asked if she could offer something else. We said no, thanked
and went away.
Next destination: the Botanical Garden. What a
relief! See and delight yourself (go to the Fotografias section of this blog to see the rest of the pictures).
The days that followed have also been very
interesting. In only one afternoon at the beach I had the pleasure of being
approached by three surreal characters of Rio:
Number 1: a woman who did not seem to be
perfectly well in her head, was asking people around her if they could tie her
bikini. When my turn came, I told her that they had already said it was okay
and she became angry and shouted "TIGHTEN IT!!! I'll ask another person.
". It is important to mention that her canga
(sarong) was the flag of Portugal. When I was leaving the beach, she came behind
me and asked if she could have my coconut water. It was still full, and
obviously I did not want to give her my straw, so I told her to go get another straw
at the tent and then I would give it to her and she asks "Are you paying?".
Number 2: A man in his 50’s came up to me to
ask if I wanted to play some sort of game. As I did not get what he was saying
I asked again and realized that he also had a strange accent. I thanked him and
explained that I could not play and that, moreover, I was not a great sports
girl. He looked angry and told me: "How can you tell me you don’t know? How
come don’t you know how to play this game at your age and a little child does?!
"
Number 3: Last but not least. Tiririca himself.
The famous federal deputy and clown was walking along the beach with his usual clothing
and waving to the people as if he was the King of Brazil. I had seen it was him
because he is unforgettable (his slogan was "Vote Tiririca, pior do que tá
não fica.", which means “Vote for Tiririca because it can’t get worse than
it is.”) But everyone turned to see him and said "Look, there’s
Tiririca!".
My question is: what kind of weird phenomenon
happened on this day to unite such a strange group at the beach?
This is Natural Rio.
This is Natural Rio.
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